Marcelo Oliveira de Oliveira
RETRATO
Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste,
assim magro nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
— em que espelho ficou perdida a minha face?
(Cecília Meireles)
COMENTÁRIO
A vida passa e eu nem sinto.
Não percebo o rosto enrugando (quando dou conta, ele já está enrugado!), os
olhos cansando, os lábios cerrando, a força das mãos esvaindo, o coração
frustrando pelas decepções da vida. A mudança é “simples, tão certa, tão
fácil”. A vida se vai...
O poema, Retrato, de Cecília
Meireles, conta a evolução (ou involução?) psicológica e física do ser humano. A
poetisa narra sobre no que a pessoa se transformou ao longo da existência, mas
de maneira implícita, o que ela era num passado distante. Preste atenção nessas
combinações vocabulares:
Rosto: calmo, triste e magro
Mãos: paradas, frias e
mortas
Olhos: vazios
Lábio: amargo
Mudança: simples, certa e
fácil.
As palavras rosto, mãos,
olhos, lábio e mudança são adjetivadas respectivamente por calmo, triste e
magro; paradas, frias e mortas; vazios, amargo; simples, certa e fácil. Essas
palavras delineiam o Retrato. Não o digital, não o em cores revelado no
laboratório ou numa impressora. O Retrato de Cecília Meireles é o da existência
humana: sua fugacidade, solidão e precariedade.
A expressão mais forte do
poema, em minha opinião, é “em que espelho ficou perdida a minha face?”. É a
consciência da poetisa a respeito da temporalidade e da fugacidade da vida, mas
acompanhada de interrogações desconcertantes sobre a própria identidade: Quem
sou? No que me transformei ao longo dos anos? O que fiz com a minha existência?
Quando o tempo passar, o
inverno chegar e o fôlego da vida estiver menor que o de hoje: haja paz em Deus
no meu coração, consciência de ter vivido da melhor forma possível e a alegria
resoluta ao chegar diante do Pai e responder: quem eu fui? No que me transformei
ao longo dos anos? O que fiz da minha existência?
Até lá, enquanto eu peregrinar
por esta Terra, orarei assim: “Faze com que saibamos como são poucos os
dias da nossa vida para que tenhamos um coração sábio” (Sl 90.12 – NTLH). Mas devo
me lembrar que preciso viver essa sabedoria dada por Deus em cada dia de minha
existência.
Paz e Bem!
Um comentário:
Excelente comentário. Quando temos a juventude como aliada, nos iludamos ter a eternidade presa no vigor da força do corpo e na agilidade do pensamento. O limiar dos 60 anos nos anteparo com o aviso indelével de que a vida temporal é breve, fugaz e, em sua maioria, desperdiçada em futilidades e vaidades. Possa o Eterno nos ajudar em nossa miséria, e pautar nos passos naquilo que realmente faz a diferdiferença para a eternidade: caminhar com Jesus Cristo.
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