segunda-feira, 12 de junho de 2017

RESENHA: PENTECOSTALISMO E PÓS-MODERNIDADE


Caro César,

Paz e Bem!

Terminei a leitura de tua obra.

Como forma de agradecer-te pela obra presenteada, envio esta resenha.

Embora desejes que os teólogos sejam menos polemistas e apologéticos, porém, mais “teólogos em plena diaconia” (p.409); tua obra, no entanto, é polêmica e apologética. Polêmica porque é a mais contundente defesa da experiência pentecostal ante a teologia reformada no Brasil, mais especificamente contra a perspectiva cessacionista; e apologética porque é um texto potencialmente capaz de explicar a identidade pentecostal para setores de fora da religião cristã.

            O primeiro ponto a destacar positivamente sobre a obra é a tua honestidade intelectual, que a conheço de longa data, pois convivemos cotidianamente em nossa atividade profissional. Somente uma pessoa de tua estirpe tem a coragem de estruturar uma obra cujos primeiros 11 capítulos revelam a forma que pensavas até a virada intelectual − como confessado: “O que escrevi antes de saber o que era Pós-Modernidade”; leia-se: sob a influência da teologia reformada –, onde a viagem para a Alemanha pode ser considerada um marco temporal para o início dela. Nesses capítulos, está patente o fenômeno rotineiro entre os jovens seminaristas pentecostais, onde uma vez em contato com algumas literaturas reformadas, se encantam com a organização dessa teologia e a abraçam sem ao menos levar em conta as duas indagações presentes na introdução de tua obra: “Será que os pensadores [ou estudantes] pentecostais sabem que a proposta batizada de cosmovisão cristã, é neocalvinista, e que ‘cosmovisão cristã’ é o sistema de Calvino repaginado por Kuyper? Será que o pessoal sabe que, como já foi dito, no subtítulo do livro de Abraham Kuyper, está escrito que o calvinismo é o ‘sistema que hoje a igreja cristã deve reconhecer como bíblico?” (p.38).

            Ainda na primeira parte da obra, destaco o capítulo 10, “Que se abram as Gaiolas Teológicas”, onde lembro-me da bonita e agradável tarde em que o frágil beija-flor entrou à biblioteca da CPAD para não mais achar a saída. Mas, por intermédio de um antigo “passarinheiro”, escondido por detrás da atividade intelectual, o pássaro das asas velozes teve sua doce liberdade de volta. É bonito saber que tal acontecimento se tornaria a metáfora do mais belo texto que, pessoalmente, considero ter saído de tua pena. Refiro-me à perspectiva estética dele.

           A tua honestidade intelectual continua a ser motivo de destaque porque na segunda parte da obra, deixas claro “O que Venho Escrevendo depois de Aprender o que É Pós-Modernidade” – Leia-se: o rompimento com o paradigma da teologia reformada. Aqui, destaco dois textos que foram os mais importantes para mim. O capítulo 12, onde defendes uma nova proposta de hermenêutica identitariamente pentecostal. O fundamento teórico dessa teologia seria a teologia narrativa, onde faríamos teologia, não apenas priorizando os textos paulinos, mas dando o devido valor aos textos evangélicos narrativos de onde brotam o fundamento dos principais dogmas da comunidade cristã no mundo, e especificamente da experiência pentecostal. Em seguida, destaco também o capítulo 16, onde fazes a fundamentação teórica do fenômeno da experiência religiosa, bem como o fundamento da experiência do Espírito a partir da reflexão teológica a fim de propor um novo modo de pensar e crer a teologia pentecostal. Destaco esses dois capítulos, pois neles, tocas em duas esferas urgentes para os teólogos pentecostais brasileiros: (1) compreender melhor o fundamento textual (hermenêutico, exegético e teológico) que embasa o fenômeno do batismo no Espírito Santo, isto é, os textos narrativos; e (2) compreender bem a natureza da experiência religiosa refletida no mistério do batismo no Espírito que se reflete na experiência de adoração pentecostal.

É alentador ler um texto sobre a pós-modernidade que não caia na mesmice de criticá-la sem compreendê-la, onde tu mesmo confessaste não dominá-la quando a criticou num dado período. Isso não é comum aqui no Brasil. A primeira obra equilibrada que eu li sobre o pós-modernismo, vindo da pena evangélica, foi a de James W. Sire (O Universo ao Lado, pp.263-299). A segunda, do Alessandro Rocha, Teologia Sistemática no Horizonte Pós-Moderno. A terceira, a tua; que ajuda a remontar um contexto que James Sire toca quando diz que


As reações de teólogos ao pós-modernismo foram as mais variadas possíveis. Alguns aceitam suas afirmações centrais e escrevem não teologias, mas a/teologias (nem teologias nem não teologias que provêm do interstício entre os dois). Não procure compreender isso sem ler Mark C. Taylor. Outros teólogos aceitam a crítica pós-moderna ao modernismo, vendo muito da teologia cristã contemporânea como extremamente “moderna” e tentam reformar a teologia. Entre esses estão pós-liberais que revisam a noção sobre o que a teologia é e pode fazer (George Lindbeck), os que veem na ênfase pós-moderna sobre a história uma oportunidade para a história cristã ser ouvida (Diogenes Allen) e evangélicos que revisam a natureza narrativa da teologia (Richard Middleton e Brian Walsh). Outros, ainda, rejeitam todo o programa pós-moderno e clamam por um retorno às Escrituras e à igreja primitiva (Thomas Oden) ou por um programa de reforma que continue a valorizar a razão humana (Carl F. H. Henry, David Wells e Gene Edward Veith Jr.).
Nos círculos evangélicos, o pós-modernismo continua provando ser controverso. Alguns jovens estudiosos, como Robert Greer, têm pesquisado as opções cristãs e clamam por um reconhecimento das verdadeiras reflexões do pós-modernismo e uma abordagem renovada do que ele denomina como “pós-pós-modernismo”. Estudiosos mais antigos, entre eles Merold Westphal e Douglas Groothuis, por vezes, discordam sobre o que pós-modernos como Lyotard estão afirmando, de modo que parecem estar falando um após o outro em seus diálogos. Embora ambos afirmem os ensinamentos centrais da fé cristã, eles defendem visões notadamente distintas sobre com que precisão a mente é capaz de conhecer o que é verdadeiro sobre Deus, os seres humanos e o universo. Evidentemente, a última palavra sobre pós-modernismo e teologia ainda está para ser escrita. (SIRE, pp.290-92)


De acordo com Sire, o fenômeno de pensar a pós-modernidade na teologia é uma tentativa não muito recente em outros recantos. Se aqui no Brasil haverá essa maturidade intelectual para reconhecer que tal questão está aberta e, que de dentro dela, ainda precisa haver mais debate, só o tempo dirá; pois “a última palavra sobre pós-modernismo e teologia ainda está para ser escrita” [E será escrita um dia?]. Mas sabendo um pouco da recusa de alguns em conhecer o assunto com seriedade, aqui no Brasil, penso que a coisa se desbancará para os rótulos num primeiro momento.

Para o movimento pentecostal, a pós-modernidade pode ser um caminho de diálogo para com os de fora, mas não tanto para com os de dentro. Explico. Para com os de fora, especificamente os da academia e os da área artística secular, há de fato uma tendência pós-moderna, mas que não faz muito sentido para a imensa maioria da sociedade brasileira que não é pós-moderna. As pessoas do movimento pentecostal formam o extrato dessa sociedade, nesse aspecto, acho o pós-modernismo problemático para ser aceito num país, onde do ponto de vista religioso, ainda se encontra, digamos, no “medievalismo”. Há de se ter esse toque de realismo, pois o pós-modernismo, como o modernismo e tantos outros “ismos” são tentativas de explicar tendências de “espíritos” que podem resvalar na “irrealidade social”. Considero que um dos problemas da relação entre acadêmicos − bem como representante da classe cultural − e sociedade é o de criar uma “realidade” diametralmente oposta ao mundo desta.

Gosto do ceticismo do cientista político, Eric Voegelin, em relação às ideologias. Para o cientista, elas são mestras em perder o contato com a realidade, pois “o pensador ideológico passa a construir símbolos não mais para expressá-la, mas para expressar sua alienação em relação a ela” (Reflexões AutoBiográficas, p.39). Voegelin foi vítima dessa alienação ideológica, quando tachado pelos seus críticos: “Tenho em meus arquivos documentos tachando-me de comunista, fascista, nacional-socialista, liberal, neoliberal, judeu, católico, platônico, neo-agostiniano, tomista e, é claro, hegeliano; registra-se ainda que eu era, supostamente, muito influenciado por Huey Long” (VOEGELIN, p.81). Certamente, caro César, não escaparás a isso também. Infelizmente, tal injustiça é produzida pela tendência moderna de se criar sistemas e conceitos para explicar uma série de coisas. Aqui, vale a pena conferir mais uma estupenda reflexão do pensador alemão acerca da filosofia que, tranquilamente, pode ser aplicada em qualquer ramo do saber:


Fala-se, rotundamente e irrefletidamente, em um sistema platônico, aristotélico ou tomista, a despeito do fato de que esses filósofos estremeceriam de horror diante da ideia de que sua investigação empírica da realidade pudesse resultar em um sistema. Se algo esteve sempre claro para um pensador como Platão, que sabia distinguir entre as experiências do ser e as do não-ser e admitia a existência de ambos os tipos, era que, para o bem ou para o mal, a realidade não era um sistema. Se o sujeito constrói um sistema, a falsificação da realidade é, portanto, inevitável. (VOEGELIN, p.119)


Um, dentre tantos pontos altos de tua obra, é que não apresentas a pós-modernidade como sistema de pensamento que deve ser abraçado acriticamente. Esse cuidado é importante. Costumam dizer que nenhuma pessoa é livre das ideologias. É verdade! Mas com certeza nenhuma pessoa tem somente uma ideologia. O ser humano é complexo a tal ponto que o mais ferrenho esquerdista torna-se um voraz capitalista em muitos momentos da vida; e o mais fiel direitista torna-se o maior detentor das ideias de esquerda quando sofre a injustiça. Ora, na realidade os dois estão certos e, na maioria das vezes, estão errados. Assim também acontece com quem se pretende modernista, pós-modernista, reformado, pentecostal. Ora, somos seres humanos em contato com o objeto. E, tomando emprestado o conceito de William James sobre a relação desses dois pólos (citado por VOEGELIN em Reflexões AutoBiográficas, p.114,15), o que acontece entre o sujeito e esse objeto denomina-se experiência pura, a realidade. Quem interpretará o resultado desse fenômeno? É possível uma descrição exata dele?

Posso dizer que a tua obra me ajudou a responder essas perguntas. Mas claro, não obtive respostas que fechassem as questões.

Grande abraço,

Marcelo Oliveira de Oliveira.