Caro César,
Paz e Bem!
Terminei a leitura de tua obra.
Como forma de agradecer-te pela obra
presenteada, envio esta resenha.
Embora desejes que os teólogos sejam
menos polemistas e apologéticos, porém, mais “teólogos em plena diaconia”
(p.409); tua obra, no entanto, é polêmica e apologética. Polêmica porque é a
mais contundente defesa da experiência pentecostal ante a teologia reformada no
Brasil, mais especificamente contra a perspectiva cessacionista; e apologética
porque é um texto potencialmente capaz de explicar a identidade pentecostal
para setores de fora da religião cristã.
O primeiro ponto a destacar positivamente sobre a obra é a tua honestidade
intelectual, que a conheço de longa data, pois convivemos cotidianamente em
nossa atividade profissional. Somente uma pessoa de tua estirpe tem a coragem
de estruturar uma obra cujos primeiros 11 capítulos revelam a forma que pensavas
até a virada intelectual − como confessado: “O que escrevi antes de saber o que
era Pós-Modernidade”; leia-se: sob a influência da teologia reformada –, onde a
viagem para a Alemanha pode ser considerada um marco temporal para o início dela.
Nesses capítulos, está patente o fenômeno rotineiro entre os jovens
seminaristas pentecostais, onde uma vez em contato com algumas literaturas
reformadas, se encantam com a organização dessa teologia e a abraçam sem ao
menos levar em conta as duas indagações presentes na introdução de tua obra:
“Será que os pensadores [ou estudantes]
pentecostais sabem que a proposta batizada de cosmovisão cristã, é
neocalvinista, e que ‘cosmovisão cristã’ é o sistema de Calvino repaginado por
Kuyper? Será que o pessoal sabe que, como já foi dito, no subtítulo do livro de
Abraham Kuyper, está escrito que o calvinismo é o ‘sistema que hoje a igreja
cristã deve reconhecer como bíblico?” (p.38).
Ainda na primeira parte da obra, destaco o capítulo 10, “Que se abram as
Gaiolas Teológicas”, onde lembro-me da bonita e agradável tarde em que o frágil
beija-flor entrou à biblioteca da CPAD para não mais achar a saída. Mas, por
intermédio de um antigo “passarinheiro”, escondido por detrás da atividade
intelectual, o pássaro das asas velozes teve sua doce liberdade de volta. É bonito
saber que tal acontecimento se tornaria a metáfora do mais belo texto que,
pessoalmente, considero ter saído de tua pena. Refiro-me à perspectiva estética
dele.
A
tua honestidade intelectual continua a ser motivo de destaque porque na segunda
parte da obra, deixas claro “O que Venho Escrevendo depois de Aprender o que É
Pós-Modernidade” – Leia-se: o rompimento com o paradigma da teologia reformada.
Aqui, destaco dois textos que foram os mais importantes para mim. O capítulo
12, onde defendes uma nova proposta de hermenêutica identitariamente
pentecostal. O fundamento teórico dessa teologia seria a teologia narrativa,
onde faríamos teologia, não apenas priorizando os textos paulinos, mas dando o
devido valor aos textos evangélicos narrativos de onde brotam o fundamento dos
principais dogmas da comunidade cristã no mundo, e especificamente da
experiência pentecostal. Em seguida, destaco também o capítulo 16, onde fazes a
fundamentação teórica do fenômeno da experiência religiosa, bem como o
fundamento da experiência do Espírito a partir da reflexão teológica a fim de
propor um novo modo de pensar e crer a teologia pentecostal. Destaco esses dois
capítulos, pois neles, tocas em duas esferas urgentes para os teólogos
pentecostais brasileiros: (1) compreender melhor o fundamento textual (hermenêutico,
exegético e teológico) que embasa o fenômeno do batismo no Espírito Santo, isto
é, os textos narrativos; e (2) compreender bem a natureza da experiência
religiosa refletida no mistério do batismo no Espírito que se reflete na
experiência de adoração pentecostal.
É alentador ler um texto sobre a
pós-modernidade que não caia na mesmice de criticá-la sem compreendê-la, onde tu
mesmo confessaste não dominá-la quando a criticou num dado período. Isso não é
comum aqui no Brasil. A primeira obra equilibrada que eu li sobre o
pós-modernismo, vindo da pena evangélica, foi a de James W. Sire (O Universo
ao Lado, pp.263-299). A segunda, do Alessandro Rocha, Teologia
Sistemática no Horizonte Pós-Moderno. A terceira, a tua; que ajuda a
remontar um contexto que James Sire toca quando diz que
As reações de teólogos ao pós-modernismo foram as mais variadas
possíveis. Alguns aceitam suas afirmações centrais e escrevem não teologias,
mas a/teologias (nem teologias nem não teologias que provêm do interstício
entre os dois). Não procure compreender isso sem ler Mark C. Taylor. Outros
teólogos aceitam a crítica pós-moderna ao modernismo, vendo muito da teologia
cristã contemporânea como extremamente “moderna” e tentam reformar a teologia.
Entre esses estão pós-liberais que revisam a noção sobre o que a teologia é e
pode fazer (George Lindbeck), os que veem na ênfase pós-moderna sobre a
história uma oportunidade para a história cristã ser ouvida (Diogenes Allen) e
evangélicos que revisam a natureza narrativa da teologia (Richard Middleton e
Brian Walsh). Outros, ainda, rejeitam todo o programa pós-moderno e clamam por
um retorno às Escrituras e à igreja primitiva (Thomas Oden) ou por um programa
de reforma que continue a valorizar a razão humana (Carl F. H. Henry, David
Wells e Gene Edward Veith Jr.).
Nos círculos evangélicos, o pós-modernismo continua provando ser
controverso. Alguns jovens estudiosos, como Robert Greer, têm pesquisado as
opções cristãs e clamam por um reconhecimento das verdadeiras reflexões do
pós-modernismo e uma abordagem renovada do que ele denomina como “pós-pós-modernismo”.
Estudiosos mais antigos, entre eles Merold Westphal e Douglas Groothuis, por
vezes, discordam sobre o que pós-modernos como Lyotard estão afirmando, de modo
que parecem estar falando um após o outro em seus diálogos. Embora ambos
afirmem os ensinamentos centrais da fé cristã, eles defendem visões notadamente
distintas sobre com que precisão a mente é capaz de conhecer o que é verdadeiro
sobre Deus, os seres humanos e o universo. Evidentemente, a última palavra
sobre pós-modernismo e teologia ainda está para ser escrita. (SIRE, pp.290-92)
De acordo com Sire, o fenômeno de
pensar a pós-modernidade na teologia é uma tentativa não muito recente em
outros recantos. Se aqui no Brasil haverá essa maturidade intelectual para
reconhecer que tal questão está aberta e, que de dentro dela, ainda precisa
haver mais debate, só o tempo dirá; pois “a última palavra sobre pós-modernismo
e teologia ainda está para ser escrita” [E será escrita um dia?]. Mas sabendo
um pouco da recusa de alguns em conhecer o assunto com seriedade, aqui no
Brasil, penso que a coisa se desbancará para os rótulos num primeiro momento.
Para o movimento pentecostal, a
pós-modernidade pode ser um caminho de diálogo para com os de fora, mas não
tanto para com os de dentro. Explico. Para com os de fora, especificamente os
da academia e os da área artística secular, há de fato uma tendência
pós-moderna, mas que não faz muito sentido para a imensa maioria da sociedade brasileira
que não é pós-moderna. As pessoas do movimento pentecostal formam o extrato
dessa sociedade, nesse aspecto, acho o pós-modernismo problemático para ser
aceito num país, onde do ponto de vista religioso, ainda se encontra, digamos,
no “medievalismo”. Há de se ter esse toque de realismo, pois o pós-modernismo,
como o modernismo e tantos outros “ismos” são tentativas de explicar tendências
de “espíritos” que podem resvalar na “irrealidade social”. Considero que um dos
problemas da relação entre acadêmicos − bem como representante da classe
cultural − e sociedade é o de criar uma “realidade” diametralmente oposta ao
mundo desta.
Gosto do ceticismo do cientista
político, Eric Voegelin, em relação às ideologias. Para o cientista, elas são
mestras em perder o contato com a realidade, pois “o pensador ideológico passa
a construir símbolos não mais para expressá-la, mas para expressar sua
alienação em relação a ela” (Reflexões AutoBiográficas, p.39). Voegelin
foi vítima dessa alienação ideológica, quando tachado pelos seus críticos:
“Tenho em meus arquivos documentos tachando-me de comunista, fascista,
nacional-socialista, liberal, neoliberal, judeu, católico, platônico,
neo-agostiniano, tomista e, é claro, hegeliano; registra-se ainda que eu era,
supostamente, muito influenciado por Huey Long” (VOEGELIN, p.81). Certamente,
caro César, não escaparás a isso também. Infelizmente, tal injustiça é
produzida pela tendência moderna de se criar sistemas e conceitos para explicar
uma série de coisas. Aqui, vale a pena conferir mais uma estupenda reflexão do
pensador alemão acerca da filosofia que, tranquilamente, pode ser aplicada
em qualquer ramo do saber:
Fala-se, rotundamente e irrefletidamente, em um sistema platônico,
aristotélico ou tomista, a despeito do fato de que esses filósofos
estremeceriam de horror diante da ideia de que sua investigação empírica da
realidade pudesse resultar em um sistema. Se algo esteve sempre claro para um
pensador como Platão, que sabia distinguir entre as experiências do ser e as do
não-ser e admitia a existência de ambos os tipos, era que, para o bem ou para o
mal, a realidade não era um sistema. Se o sujeito constrói um sistema, a
falsificação da realidade é, portanto, inevitável. (VOEGELIN, p.119)
Um, dentre tantos pontos altos de tua
obra, é que não apresentas a pós-modernidade como sistema de pensamento que
deve ser abraçado acriticamente. Esse cuidado é importante. Costumam dizer que
nenhuma pessoa é livre das ideologias. É verdade! Mas com certeza nenhuma
pessoa tem somente uma ideologia. O ser humano é complexo a tal ponto que o
mais ferrenho esquerdista torna-se um voraz capitalista em muitos momentos da
vida; e o mais fiel direitista torna-se o maior detentor das ideias de esquerda
quando sofre a injustiça. Ora, na realidade os dois estão certos e, na maioria
das vezes, estão errados. Assim também acontece com quem se pretende
modernista, pós-modernista, reformado, pentecostal. Ora, somos seres humanos em
contato com o objeto. E, tomando emprestado o conceito de William James sobre a
relação desses dois pólos (citado por VOEGELIN em Reflexões
AutoBiográficas, p.114,15), o que acontece entre o sujeito e esse objeto
denomina-se experiência pura, a realidade. Quem interpretará o resultado
desse fenômeno? É possível uma descrição exata dele?
Posso dizer que a tua obra me ajudou a
responder essas perguntas. Mas claro, não obtive respostas que fechassem as
questões.
Grande abraço,
Marcelo Oliveira de Oliveira.