quarta-feira, 15 de maio de 2013

CHEIOS DO ESPÍRITO NA DIMENSÃO PROFISSIONAL

(Uma breve análise de Efésios 5.18-21; 6.5-9)

Podemos destacar a Epístola do Apóstolo Paulo aos Efésios como uma circular às igrejas da província da Ásia entre os anos 52 e 55 dC. Segundo Donald C. Stamps, o editor geral da Bíblia de Estudo Pentecostal, editada pela CPAD, esta carta pode também ser a mesma destinada por Paulo aos Laodicences (Colossenses 4.16).1
A epístola aos Efésios integra o grupo das quatro epístolas escritas na prisão, juntamente com Filipenses, Filemon e Colossenses — As Cartas da Prisão. Isto significa dizer que enquanto o apóstolo Paulo redigia a epístola aos Efésios ele se encontrava preso, provavelmente em Roma. Se pudermos cunhar um tema central da epístola, gostaria de evocar o dos comentaristas em o Novo Testamento, J. Wesley Adams e Donald C. Stamps: “Os propósitos eternos de Deus em Cristo a fim de criar entre judeus e gentios uma nova humanidade através da cruz e uma nova comunidade como o corpo de Cristo na terra”.2 No entanto, esses propósitos foram revelados à humanidade através da Igreja em Cristo Jesus como nos relata o apóstolo Paulo na sua epístola aos Colossensses: “o mistério que esteve oculto desde todos os séculos e em todas as gerações e que, agora, foi manifesto aos seus santos; aos quais Deus quis fazer conhecer quais são as riquezas da glória deste mistério entre os gentios, que é Cristo em vós, esperança da glória(1.26,27).
Em Efésios 1.15,16, Paulo destaca o amor mútuo praticado na igreja de Éfeso como consequência da fé centrada na pessoa do Senhor Jesus. E o apóstolo espera esta fé viva operando na vida daquela comunidade cristã. Os agradecimentos pessoais a Deus por essa Igreja são demonstrados por Paulo na sua oração. Nela, ele esperava que a prática do amor fraterno fosse predominante nas relações ali existentes. Neste contexto é que o apóstolo dos gentios aborda a antítese entre uma vida imersa no Espírito Santo e a existência submersa na ausência de sobriedade (5.18) evidenciada pela presença de contendas.   
Quando lemos o capítulo 5 de Efésios, sobre o tema do enchimento do Espírito, é comum nos reportarmos à experiência pentecostal do segundo capítulo dos Atos dos Apóstolos. Entretanto, é preciso situar o preclaro leitor nos contextos destes distintos escritos a fim de compreendermos a diferença semântica do termo “enchimento” cunhado por Lucas em Atos e o usado por Paulo em Efésios. No livro dos Atos dos Apóstolos o evangelista utiliza um recurso linguístico particular para citar o cumprimento literal da promessa predita por Jesus de Nazaré acerca do batismo com o Espírito Santo: “E todos foram cheios do Espírito Santo  e começaram a falar em outras línguas, conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem” (At 2.4). O nosso Senhor havia dito: “Porque, na verdade, João batizou com água, mas vós sereis batizados com o Espírito Santo, não muito depois destes dias” (At 1.5) [grifos meus]. Assim, salta aos olhos do leitor que a expressão “todos foram cheios do Espírito Santo” (At 2.4) é sinônima da “vós sereis batizados com o Espírito Santo” (At 2.4). Nesta o evangelista Lucas se refere a promessa; naquela ele refere-se ao cumprimento da mesma. Lucas está, claramente, narrando a experiência fenomenológica de poder no Espírito, literalmente profetizada por Jesus, registrada pelo próprio Lucas no seu Evangelho (Lc 24.49) e confirmada por ele nos Atos dos Apóstolos (1.4,5).
Entretanto, o texto de Efésios 5 apresenta o assunto sobre o “enchimento do Espírito” numa outra perspectiva. O apóstolo remete o leitor à ideia de que ser cheio do Espírito é uma experiência transcendental diametralmente interligada ao comportamento daquele que encarnou em si mesmo o Evangelho de Jesus. A transcendência no Espírito se caracteriza como o fruto da intimidade com Deus (vv.1-3) manifestada pelo crente na dimensão de um relacionamento de amor com o próximo. Vejamos:
(1) No versículo 18 a expressão embriagues (gr. methyskesthe)3 realça a ideia da falta de autocontrole do indivíduo; libertinagem ou devassidão (gr. asôtia)4 significa o excesso comportamental, imoralidade. Mas, a expressão “Enchei-vos” (gr. plêpousthe)5 denota a tese de ser dominado pelo Espírito, absolutamente controlado por Ele. (2) Nos versículos 19 e 20 o ser cheio do Espírito implica participar na comunidade do culto espiritual [aqui, os cânticos espirituais são consequências espontâneas do Espírito]. E a consequência disto não pode ser outra: o crente é capacitado a sujeitar-se ao outro em amor. (3) No versículo 21 a prática do amor é o resultado do enchimento do Espírito. É estar cheio de Deus, do seu amor e comunhão. Logo, a consequência natural do culto verdadeiro a Deus é uma predisposição de sujeitar-se ao outro em amor.
A mensagem de Efésios é clara e taxativa: o ser cheio do Espírito implica no amor mútuo da comunidade que se chama pelo nome do Senhor. Pois o ato de servir a Deus se dá nas dimensões vertical (Deus) e horizontal (o outro, o próximo). Na perspectiva vertical, somos chamados a amar e temer ao Senhor de todo o coração, força e pensamento (Mc 12.30); na horizontal, amar sinceramente o próximo como a si mesmo (Mc 12.31). Estas são as ordenanças do Evangelho para a vida (Mc 12.30,31).
É nessa perspectiva de espiritualidade vertical e horizontal, que o restante do capítulo cinco de Efésios — até o versículo nove do capítulo seis — falará do inter-relacionamento entre “esposo e esposa”; “pais e filhos”; “patrões e funcionários”. O apóstolo Paulo denota que ambos, em amor, devam sujeitar-se ao outro para fazer o bem e amarem-se em Jesus Cristo.  
O amor cristão deve se manifestar em todo e qualquer ambiente que demanda o relacionamento humano. Principalmente nos círculos cristãos. Entretanto, é importante ressaltar que antes de firmarmos compromissos com pessoas de diversos seguimentos — o matrimonial, o maternal, paternal e o profissional — temos laços de irmandade estabelecidos com elas numa perspectiva discipuladora de Jesus de Nazaré. Naturalmente, o amor descrito aqui, não é nem pode ser um amor de viés obrigatório, pois amor compelido não é amor verdadeiro. Este é voluntário, espontâneo e não espera nada em troca. O amor demonstrado por Jesus nos designa a ser um e somente um corpo com Ele. Por isso podemos destacar alguns desdobramentos do amor na relação profissional entre funcionário → patrão:
1. Nos versículos 5,6. Enquanto funcionários de uma empresa, nossa real motivação deve ser a do respeito, pois somos chamados a viver numa dimensão de serviço a Deus, mas também aos homens. De sorte, não há como honrar a Deus se a minha dimensão relacional com os homens de autoridade está confusa ou quebrada. É impossível viver um dualismo entre “servir a Deus” e “não servir o próximo”, pois a ideia central expressa no capítulo 5 de Efésios é essa: “sujeitai-vos uns aos outros em amor”.
2. Nos versículos 7,8. Aqui, o discípulo de Jesus é convidado a fazer o bem e se aperfeiçoar naquilo que faz, não somente por causa do patrão, mas acima de tudo por Cristo. É aí que se revela a própria realização humana, pois patrão e funcionário têm um mesmo Senhor! Não há favoritismo de Deus nessa relação. O mesmo Senhor que auxilia o patrão é o mesmo que auxilia o funcionário. NEle, ambos são irmãos.
3. No versículo 9. O tratamento dos patrões para com os funcionários deve ser no mesmo espírito dos funcionários para com os patrões: sujeição mútua. A Bíblia NVI descreve assim este princípio: “Vocês, senhores [patrões], tratem seus escravos [funcionários] da mesma forma” (Acréscimos). Aqui, não há privilégios para nenhuma parte. Logo, o princípio que norteia o relacionamento entre funcionários e patrões cristãos é o da disponibilidade de um servir ao outro em amor como quem serve ao Senhor (Ef 5.21). É incrível como o ensino do apóstolo revelado nestas linhas é revolucionário e a frente do seu tempo. Ele mostra que os patrões não apenas têm direito, mas também obrigações a respeito da dignidade dos funcionários e estes não apenas obrigações para com aqueles, mas direitos também.6 Ambos, em amor, têm direito e deveres. Contra isto, diz as Escrituras Sagradas, não há lei (Gl 5.22,23).
Se você é o patrão hoje, o que pensar sobre o que a Epístola aos Efésios diz a respeito da tua relação com o teu funcionário? E você que é funcionário, como enxergar esta relação com o teu patrão? Certa feita o nosso Senhor disse que no mundo gentílico o mais forte subjugar o mais fraco era perfeitamente normal. Mas entre nós, não! Entre nós não poderia, e nem pode, ser assim! Entre cristãos, o amor mútuo dos irmãos é quem deve sobrepujar. Então, na dimensão do Espírito Santo, cada qual exercerá o seu próprio papel, seja na função de patrão ou na de funcionário. Afinal de contas, hoje você é o patrão, mas amanhã poderás tornar-se um funcionário ou vice-versa. Mas ambos não podem se esquecer: “Sujeitai-vos um ao outro em amor” a qualquer tempo e em qualquer dimensão profissional, seja ou não cristã. Paz e bem!

Marcelo de Oliveira e Oliveira é redator do Setor de Educação Cristã da CPAD, bacharel em Teologia e professor.

NOTAS

1 STAMPS, Donald C (Ed.). Bíblia de Estudo Pentecostal: Antigo e Novo Testamento. Rio de Janeiro: CPAD, 1995, p.1805-06.
2 ADAMS, J. Wesley; STAMPS, Donald C. Efésios. In, ARRINGTON, French L.; STRONSTAD, Roger. Comentário Bíblico Pentecostal: Novo Testamento. 2.ed. Rio de  Janeiro: CPAD, 2004, p.1193.
3 OLIVETTI, Odayr; GOMES, Paulo Sérgio. Novo Testamento interlinear analítico Grego — Português: Texto Majoritário com Aparato Crítico. 1.ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2008, p.734.
4 OLIVETTI, Odayr; GOMES, Paulo Sérgio, 2008, p.734.
5 Ibidem.
6 HAVENER, Ivan. Efésios. In, BERGANT, Dianne; KARRIS, Robert J. (Orgs.) Comentário Bíblico. 3.ed. vol. 3. São Paulo: Edições Loyola, 2001, p.251.

Artigo publicado no Jornal Mensageiro da Paz, órgão oficial das Assembleias de Deus, do mês de Maio.