Quero esclarecer em primeiro lugar o meu pleno compromisso
com a liberdade de expressão. Acredito que o desenvolvimento de qualquer país,
inclusive o da igreja local, passa pelo fortalecimento de suas instituições
democráticas ― os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. E,
indubitavelmente, pela livre expressão de pensamento via a disponibilidade dos
diversos meios de comunicação; quer o pensamento de caráter religioso quer o filosófico.
Um fenômeno relativamente recente no espaço virtual
evangélico é o Humor
Cristão. Protagonizado por “blogs” e “sites” ditos “apologéticos” ― uso o
termo “apologéticos” entre
aspas para afirmar, categoricamente, que nesses espaços o que se faz não é um
exercício apologético, mas o polêmico. Todavia, não é esta a hora apropriada de
adentrar na querela.
Antes promovido nos arraiais ditos seculares, o humor é um
gênero artístico que foi (e é)
muitas vezes usado para criticar a ditadura, a corrupção, a censura, etc. na
esfera da coisa pública. A modalidade artística do humor ganhou ares no
sagrado. Agora denominado cristão,
ele é uma realidade presente no espaço virtual evangélico e até mesmo em alguns
segmentos eclesiásticos sociais. Estes últimos, o exercem na informalidade,
tendo como principal objetivo o entretenimento. Portanto, não há nenhum
compromisso em discutir conteúdos da fé cristã.
O site evangélico GenizahVirtual, dito “apologético”, talvez seja a maior expressão desta categoria
artística no meio evangélico virtual. Ele desenvolve uma abordagem satírica
sobre personalidades supostamente ameaçadoras à reta doutrina cristã do meio
evangélico brasileiro. O objetivo dessa manifestação virtual é o de responder
“apologeticamente” os desvios éticos e as insanidades idealizadas em nome da fé
dentro do movimento evangélico brasileiro. Logo, a respeito destas insanas
idealizações, são passíveis de críticas o pentecostalismo clássico e o
neopentecostalismo. É bem verdade que o Genizah Virtual procura desassociar o
pentecostalismo clássico do neopentecostalismo. A teoria das três ondas do
Pentecostalismo, em Paul Freston, está sutilmente presente nas publicações do
site.
O site do Genizah desnuda as práticas perniciosas ao
Evangelho, usando da instrumentalidade inteligente, leve e sarcástica da
sátira. Seus alvos: práticas antibíblicas desenvolvidas por alguns setores da
igreja evangélica, tais como, por exemplo, a famigerada “Teologia da
Prosperidade”, o “Movimento da Confissão Positiva” e os “Ministros da Palavra” que
exploram o povo de Deus ― estes últimos conhecidos pelos programas evangélicos
nas manhãs de sábado.
É
importante ressaltar que, como tudo na vida, esta nova modalidade de expressão
evangélica tem de haver limites bem demarcados. Do contrário, ela corre o risco
de se tornar um emaranhado de piadas de mau gosto e em exposição desnecessária de
pessoas.
Então, qual é o limite do humor praticado
no site do Genizah Virtual? O que deve regê-lo? Não há dúvida que são os
princípios eternos do Evangelho. Nestes, encontramos conselhos contemporâneos
para lidarmos sabiamente com o assunto ora exposto.
Analise comigo estas duas porções bíblicas: “Amarás, pois,
ao Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o
teu entendimento, e de todas as tuas forças; este é o
primeiro mandamento. E o segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo.
Não há outro mandamento maior do que estes” (Mc 12.30,21). Esses dois
mandamentos denotam duas observâncias elementares para tecermos quaisquer comentários
contra ou a favor de alguém; ou para posicionar-se a respeito de qualquer
assunto cujo alvo seja pessoas: a primeira é o
temor ao Senhor; e a segunda, o
respeito pelo próximo.
Quando comenta sobre o “desdenhador dos Seres Humanos”, em
sua obra Ética, o teólogo
alemão Dietrich Bonhoeffer escreve: “Deus ama o ser humano. Deus ama o mundo.
Não um ser humano ideal, mas o ser humano como ele é, não um mundo ideal, mas o
mundo real”. Complementando esse pensamento, Bonhoeffer ainda afirma: “Enquanto
nós distinguimos entre piedosos e ímpios, bons e maus, nobres e ordinários,
Deus ama o ser humano real sem distinção”. O teólogo alemão tem razão quando
nos lembra que o ser humano idealizado por nós nem sempre é o real. Que a
igreja idealizada em nossas mentes nem sempre é a existencial. No entanto,
ambos, ser humano e igreja, quando idealizados, mas não compreendidos na
realidade existencial, não deixam de ser o que são: obras criadas diretamente
por Deus, segundo o conselho de sua sabedoria. E, portanto, objetos do seu
imenso e sublime amor.
Aqui, evoco os princípios de Marcos 12.30,31 para mostrar o
risco de, ignorando tais observações, se cometer precipitações, exposições
desnecessárias e injustiças com pessoas. Um site cristão não pode cometer os
mesmos erros da mídia secular.
Sobre o Genizah, passo a exemplificar dois casos que
demonstram o caminho tórrido que o site trilhou com naturalidade. Lembro-me
duma matéria veiculada anos atrás, era a exposição de uma irmã em estado de
êxtase (não julgo aqui a legitimidade da experiência). Ela foi colocada como
escárnio nacional para todos quantos quisessem ver. Certamente ela não sabia do
vídeo sórdido que circulava a seu respeito em todo o território nacional.
Outro exemplo foi uma reunião para mulheres da IgrejaBatista da Lagoinha. Uma irmã aconselhava as mulheres de sua igreja sobre
vestimentas femininas segundo a perspectiva cristã. Tal irmã fora tremendamente
exposta a todos os internautas apenas pelo mau uso do vernáculo. Ou seja, de
uma reunião local o público evangélico nacional passou a discutir um assunto
que nada lembra uma “agenda apologética”.
Esses dois exemplos denotam a tragicidade que pode abarcar
o humor cristão praticado pelo site Genizah Virtual. É semelhante ao caminho
que o secular percorreu até chegar à sua atual degradação ― o caso mais
clássico de repercussão nacional é do ex-apresentador do CQC Rafael Bastos e a
cantora, na época grávida, Vanessa Camargo.
Não é a minha intensão
usar este espaço para impor qualquer comportamento midiático. Até porque, quem
sou eu? E, além de ser uma atitude antidemocrática, o fenômeno do humor cristão
é um objeto passível de pesquisa científica da área do marketing, das letras,
etc. Entretanto, o rumo que ele vem tomando é sim passível de crítica. E por
isso redijo uma neste espaço de poucos leitores.
Não há dúvida de que
devemos denunciar o falso evangelho, o tirano sistema religioso e a
negociata com a Palavra de Deus! Jesus fez isso quando necessário, os apóstolos
o fizeram e, quando ameaçados, não se curvaram ao falso sistema religioso.
Todavia, havia temor e amor na vida dos apóstolos. É
possível achar em suas palavras perspectivas de amor, ternura e sinceridade.
Logo, o limite do humor cristão em qualquer espaço virtual ou social, e neste
caso o do Genizah Virtual, não pode ser outro além desse: temer ao Senhor e respeitar
o próximo. Se caminharmos no conselho de Cristo, temeremos o Senhor e
erraremos menos; respeitaremos as pessoas e as decepcionaremos menos.
Jesus não amou o homem ideal, mas o real; Ele não ama uma igreja
idealizada, mas existencializada. Jesus é amor, ternura e sinceridade!
Paz e Bem!
Marcelo de Oliveira e Oliveira
Rio de Janeiro, RJ.