terça-feira, 27 de setembro de 2016

Retrato: uma análise despretensiosa do poema de Cecília Meireles


Marcelo Oliveira de Oliveira

RETRATO
Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste,
assim magro nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
— em que espelho ficou perdida a minha face?
(Cecília Meireles)

COMENTÁRIO
A vida passa e eu nem sinto. Não percebo o rosto enrugando (quando dou conta, ele já está enrugado!), os olhos cansando, os lábios cerrando, a força das mãos esvaindo, o coração frustrando pelas decepções da vida. A mudança é “simples, tão certa, tão fácil”. A vida se vai...

O poema, Retrato, de Cecília Meireles, conta a evolução (ou involução?) psicológica e física do ser humano. A poetisa narra sobre no que a pessoa se transformou ao longo da existência, mas de maneira implícita, o que ela era num passado distante. Preste atenção nessas combinações vocabulares:
Rosto: calmo, triste e magro
Mãos: paradas, frias e mortas
Olhos: vazios
Lábio: amargo
Mudança: simples, certa e fácil.

As palavras rosto, mãos, olhos, lábio e mudança são adjetivadas respectivamente por calmo, triste e magro; paradas, frias e mortas; vazios, amargo; simples, certa e fácil. Essas palavras delineiam o Retrato. Não o digital, não o em cores revelado no laboratório ou numa impressora. O Retrato de Cecília Meireles é o da existência humana: sua fugacidade, solidão e precariedade.

A expressão mais forte do poema, em minha opinião, é “em que espelho ficou perdida a minha face?”. É a consciência da poetisa a respeito da temporalidade e da fugacidade da vida, mas acompanhada de interrogações desconcertantes sobre a própria identidade: Quem sou? No que me transformei ao longo dos anos? O que fiz com a minha existência?

Quando o tempo passar, o inverno chegar e o fôlego da vida estiver menor que o de hoje: haja paz em Deus no meu coração, consciência de ter vivido da melhor forma possível e a alegria resoluta ao chegar diante do Pai e responder: quem eu fui? No que me transformei ao longo dos anos? O que fiz da minha existência?

Até lá, enquanto eu peregrinar por esta Terra, orarei assim: “Faze com que saibamos como são poucos os dias da nossa vida para que tenhamos um coração sábio” (Sl 90.12 – NTLH). Mas devo me lembrar que preciso viver essa sabedoria dada por Deus em cada dia de minha existência.

Paz e Bem!    

 



quarta-feira, 23 de março de 2016

Sobre o Manifesto Missão na Íntegra


Para mim, a teologia da Missão Integral é parte das minhas reflexões teológicas, pois foi o meu tema de monografia na faculdade, sob a orientação do Dr. Nelson Célio de Mesquita da Rocha. De modo que me sinto a vontade em falar sobre o manifesto do movimento Missão na Íntegra, assinado por Ariovaldo Ramos, Ed René Kivitz, Ricardo Bitum e outros.

A íntegra do Manifesto está aqui.

Cabe ressaltar, em primeiro lugar, que a teologia da Missão Integral remonta o Pacto de Lausanne. Um documento relatado por John Stott e aprovado pela maioria das igrejas evangélicas presente no primeiro Congresso Internacional de Evangelização Mundial em 1974, na Suiça – inclusive pelas Assembleias de Deus no Brasil, que enviou o pastor Alcebíades dos Vansconcelos e publicou o documento de Lausanne pela CPAD.

O documento reflete uma leitura simples das Escrituras em relação a prática missionária. Ora, a Igreja não pode fazer missões, ignorando o contexto social em que está inserida. Por isso, não pode haver dualidade na prática missionária, pois “o ide e pregai o Evangelho” não suplantou o “amai o próximo como a ti mesmo”. A partir de uma leitura legítima dos profetas do Antigo Testamento, dos Evangelhos e dos ensinos apostólicos foi possível estabelecer uma doutrina de orientação social para a Igreja Evangélica.  

Nesse aspecto, a TMI não tem o marxismo como referencial teórico. Para muitos teólogos, a TMI chega até ser ingênua, pois a sua leitura é simples, não sendo possível encontrar qualquer estrutura complexa de interpretação como a Teologia da Libertação. Na TMI, a inspiração das Escrituras é ratificada, o conceito de salvação e pecado é preservado. Entretanto, nada disso impede que seus proponentes deixem de ser isentos e assumam um lado da história para perder a sua capacidade profética. Foi o que fizeram Ariovaldo Ramos, Ed René Kivitz, Ricardo Bitum e outros.

O manifesto da liderança da Missão na Íntegra é vergonhoso em todas as dimensões. Ali, está presente a dissimulação da teologia. Sim, é possível dissimular na teologia e com a leitura do Evangelho. Foi isso que esse manifesto fez. É uma grande ironia: aqueles que sempre criticaram a igreja evangélica pela sua letargia, agora se mostram letárgicos e dissimulados. É incrível a perda da capacidade da isenção e da denúncia!

O movimento da Missão na Íntegra vem perdendo essa capacidade há muito, desde que um de seus maiores expoentes, Ariovaldo Ramos, por intermédio do seu projeto Visão Mundial, sentou no Palácio do Planalto e disse amém para aquele governo. O problema não foi dizer amém para o governo do PT, o problema foi dizer amém para um governo. Ariovaldo Ramos vem cometendo o mesmo erro da maioria das lideranças evangélicas brasileiras: sentando com o poder, negociando e acordando com ele. Enquanto isso, seus companheiros assistem tudo calados.

Por isso, não me surpreendo com a atitude da Missão na Íntegra. Era de se esperar. Mas duvido se ela soltaria um documento desses se o objeto das investigações fosse alguém da oposição. O nome disso é dissimulação! São os “profetas” do palácio assistindo os profetas das ruas serem achincalhados. Vergonha!

sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

A PRIMEIRA E A SEGUNDA RESSURREIÇÃO: QUEM FARÁ PARTE?

Marcelo Oliveira de Oliveira

Nesta semana recebi questionamentos sobre a lição deste domingo, a de número 5, da Revista Lições Bíblicas CPAD, onde o comentarista, abordando sobre o tema escatológico da primeira e da segunda ressurreição, afirma: “Contudo, na primeira ressurreição, farão também parte desse evento glorioso: ‘as duas testemunhas’ (Ap 11.1-12; o grupo dos ‘mártires’, aqueles que aceitarão a Cristo na ‘grande tribulação’ (Ap 20.5,6)” (Revista do Professor, pág. 38 – Lição 5, 1º Tópico, 2º subtópico).

A grande dúvida é sobre o evento da Primeira Ressurreição descrita em Apocalipse 20.4-6. Antes de avançarmos é importante destacar que a explicação ora exposta neste espaço virtual segue a linha oficial de interpretação das Assembleias de Deus no Brasil, isto é, o Pré-milenismo-dispensacionalista-pré-tribulacionista.[1] Naturalmente, há irmãos em Cristo que compreendem de maneira diferente o capítulo 20 de Apocalipse e a doutrina do Arrebatamento. Como esse texto é voltado para os professores da Escola Dominical que usam a revista da CPAD, é importante respeitarmos a linha oficial de interpretação da nossa denominação.

     “As Duas testemunhas” e os “Mártires” farão parte da Primeira Ressurreição? O problema desta pergunta é que muitos confundem a Primeira Ressurreição como sendo apenas o evento escatológico do Arrebatamento. O texto de Apocalipse 20 diz que “bem-aventurado e santo aquele que tem parte na primeira ressurreição” (v.6). Quem são estas pessoas que têm parte na Primeira Ressurreição? O versículo 4 responde: “as almas daqueles degolados pelo testemunho de Jesus e pela palavra de Deus, e que não adoraram a besta nem a sua imagem, e não receberam o sinal na testa nem na mão”. Essas pessoas são o grupo de “Mártires” provenientes da Grande Tribulação. Aqueles que resistiram e enfrentaram a rebelião do Anticristo.  

    No mesmo período dos Mártires, ou seja, na Grande Tribulação, e após serem mortas, as “Duas Testemunhas” serão ressuscitadas, pois igual aos mártires, elas resistiram e denunciaram o engano do Anticristo, além de proclamar a mensagem de Deus (Ap 11.1-14). Logo, o grupo dos “Mártires” e as Duas Testemunhas têm parte na Primeira Ressurreição. Algumas pessoas discordam exatamente neste ponto! Por compreenderam a Primeira Ressurreição como se fosse apenas o evento do Arrebatamento, alguns irmãos pensam que o comentarista da lição equivocou-se ao afirmar: “Contudo, na primeira ressurreição, farão também parte desse evento glorioso: ‘as duas testemunhas’ (Ap 11.1-12); o grupo dos ‘mártires’, aqueles que aceitarão a Cristo na ‘grande tribulação’ (Ap 20.5,6)”. O que não é verdade, pois de acordo com a interpretação clássica do Pré-Tribulacionismo, não há erro nesta afirmativa. Vejamos.

     O Pré-Tribulacionismo Clássico, com base em Apocalipse 20, entende que se pode dividir o fenômeno da ressurreição escatológica em dois momentos: Primeira Ressurreição [salvos] e Segunda Ressurreição [ímpios]. Esta última se refere à ressurreição dos ímpios diante do Trono Branco, como está narrado em Apocalipse 20.11-15. Aquela Primeira Ressurreição diz respeito a todos os salvos em Cristo e não se dá apenas em único evento. Ou seja, a Primeira Ressurreição se dá em vários eventos em que se refere exclusivamente à ressurreição dos crentes. Neste aspecto, a Primeira Ressurreição ocorre várias vezes ao longo da história humana:

1.      A Ressurreição do Salvador, as primícias da Primeira Ressurreição (Rm 6.8; 1 Co 15.20,23; Cl 1.18; Ap 1.18);
2.     Os santos do Antigo Testamento. Mateus narra que, por ocasião da morte de Jesus, os túmulos de muitos santos foram abertos e estas pessoas apareceram na cidade como sinal de confirmação de que Jesus era o Messias (Mt 27.50-54; cf. Dn 12.1-2).[2]
3.      Os salvos que morreram antes da volta do Senhor (1 Co 15.51; 1 Ts 4.13-18).
4.     As Duas Testemunhas do Apocalipse (Ap 11.1-14).
5.      “Os mártires da Tribulação. Apocalipse 20.4-6 identifica os mortos martirizados na Tribulação como aqueles que serão ressuscitados na segunda vinda de Cristo, a fim de reinarem com Ele por mil anos”.[3]     

       Neste caso, não há erro em afirmar que, além da Igreja de Cristo ser arrebatada nos Céus, as Duas Testemunhas e o grupo de Mártires farão parte da Primeira Ressurreição. É o que está textualmente claro em Apocalipse 20.4-6. Ora, os santos do Antigo Testamento, a Igreja arrebatada, as Duas Testemunhas e os Mártires estarão para sempre com o Senhor: esta é a Primeira Ressurreição (Ap 20.6). Logo, a segunda ressurreição se refere somente aos ímpios que se rebelaram contra Deus: quando se dará o julgamento diante do trono Branco, o Juízo Final (Ap 20.11-15).

      O que deve ficar claro para quem estudará a lição deste domingo, em primeiro lugar, é que devemos conservar a esperança na Vinda do Senhor, pois Ele pode voltar a qualquer momento. A sua vinda é iminente! Os apóstolos tinham essa esperança e devemos conservá-la também. Anelar pela vinda do Senhor! Isto requer um exercício de nos tornarmos menos materialistas e mais espirituais. Em segundo lugar: que haverá um juízo de Deus, onde os homens prestarão contas de seus atos e ações perante o justo juiz.

Portanto, não precisamos nos prender em detalhes, mas focar no mais importante, no indispensável: o nosso Rei virá! Veremos a Jesus! É nutrir o povo de Deus com esperança, e não medo; com alegria, e não tristeza; com paz, e não turbação. Afinal, “agora, vemos por espelho em enigma; mas, então, veremos face a face; agora, conheço em parte, mas, então, conhecerei como também sou conhecido” (1 Co 13.12).

Paz e Bem!

Indicação Bibliográfica
Comentário Bíblico Pentecostal Novo Testamento, CPAD.
Enciclopédia Popular de Profecia Bíblica, CPAD.


[1] Aqui, cito o meu artigo da Revista Ensinador Cristão nº 65 e página 38: “Caro professor, a doutrina da Segunda Vinda do Senhor tem dois aspectos que precisam ser destacados: o secreto e o público. São duas as etapas que constituem a Segunda Vinda do Senhor. A primeira é visível somente para a Igreja, mas invisível ao mundo; a segunda etapa é visível a todas as pessoas, pois “todo olho verá”. Na presente lição, o aspecto tratado será o primeiro, ou seja, a doutrina do Arrebatamento da Igreja.
Ao introduzir a lição desta semana na classe, defina o termo “arrebatamento”. Mostre aos alunos que o termo se origina da palavra grega harpagêsometha que significa “àquilo que é frequentemente chamado”. Refere-se à ideia de se encontrar com o Senhor para celebrá-lo como Ele é. A ideia de nos encontrarmos com o Senhor faz um paralelo com 1 Tessalonicenses 4.15, onde a palavra parousia aparece determinando os seguintes significados: “presença” e “vinda” do Senhor. Por isso, há algumas linhas de pensamentos distintas, em que outros irmãos em Cristo consideram que o Arrebatamento e a Vinda Gloriosa serão um só evento.
Entretanto, o contexto do Arrebatamento como um acontecimento distinto à Vinda Gloriosa está nos escritos do apóstolo Paulo. Este tinha em mente o arrebatamento quando exortava os crentes do Novo Testamento a terem esperança: “nós, os que ficarmos vivos, seremos arrebatados juntamente com eles nas nuvens, a encontrar o Senhor nos ares, e assim estaremos sempre com o Senhor” (1 Ts 4.17). Textos como o de Colossensses 3.4 e o de Judas v.14 dão conta dos crentes voltando com Cristo para julgarem os ímpios após o Arrebatamento da Igreja.

Múltiplas Correntes Escatológicas concernentes ao Arrebatamento

Pré-Milenismo
Amilenismo
Pós-Milenismo
O Pré-Milenismo está dividido em Histórico e Dispensasionalista.
O Dispensasionalismo está dividido em:
  • Pré-Tribulacionista
  • Meso-Tribulacionista
  • Pós-Tribulacionista
O Amilenismo tem um entendimento de que na Segunda Vinda de Jesus, o Arrebatamento e a Parousia estarão conectadas, isto é, serão um só acontecimento, seguindo assim o Juízo Final.
Igualmente, o Pós-Milenismo entende que na Segunda Vinda de Jesus, o Arrebatamento e a Parousia estarão conectadas, isto é, serão um só evento, seguindo assim o Juízo Final.

As Assembleias de Deus no Brasil adotam a corrente Pré-Milenista-Dispensacionalista-Pré-Tribulacionista, onde o Arrebatamento da Igreja ocorrerá antes dos sete anos de Grande Tribulação.


[2] A seção do texto de Mateus mostra diversos acontecimentos miraculosos que os estudiosos chamam de testemunhos apocalípticos: o véu do Templo se rasgou de alto a baixo (v.51); o terremoto da terra, a abertura dos sepulcros (v.52) (cf. Comentário Bíblico Pentecostal Novo Testamento, CPAD, p.150-52).

[3] Enciclopédia Popular de Profecia Bíblica, CPAD, p.402. Cf. É importante ressaltar o comentário de Timothy P. Jenney, um pentecostal erudito americano, que mostra outra possibilidade dos mártires descritos em Apocalipse 20: “Quem fará parte da primeira ressurreição? (20.5) O Apocalipse descreve aqueles que ressuscitaram aqui como ‘aqueles que foram degolados’ (v.4). No Império Romano, a decapitação era o castigo pela traição cometida por um cidadão. Uma interpretação estritamente literal limitaria a primeira ressurreição apenas àqueles que foram martirizados dessa forma (omitindo, assim, aqueles que morreram pela espada, animais selvagens, crucificação, etc.). Porém outros argumentam que a frase é apenas uma figura retórica, uma metonímia, na qual apenas a referência a uma parte indica o conjunto (por exemplo, a frase ‘dez cabeças de gado’ indica, geralmente, dez animais inteiros, e não apenas suas cabeças). Se essa frase for uma metonímia, ela pode significar ‘todos os mártires’ ou ‘qualquer um que tenha dado a vida por Deus’, através do martírio ou não. Atualmente, estudiosos em geral entendem essa frase conforme esse último sentido, onde os mártires representam, simplesmente, o exemplo ideal e mais elevado de uma morte virtuosa. ‘Os outros mortos’ (v.5) serão julgados como os pecadores” (Comentário Bíblico Pentecostal Novo Testamento, CPAD, p.1918).